Olá, mantendo nosso compromisso com a objetividade na exposição dos temas, indo direito ao ponto, hoje vamos tratar da competência das câmaras municipais no julgamento das contas anuais dos prefeitos.

Com tantas tarefas a serem executadas, fica difícil manter-se atualizado sobre os principais temas do Poder Legislativo nos municípios, não é mesmo? A nossa meta aqui é justamente levar a vocês uma informação objetiva que possa ser compreendida com uma rápida leitura do post, aprofundando a discussão do tema quando necessário.

Então vamos lá! Quando o assunto é o exercício do controle externo da administração pública municipal e a competência para julgamento das contas anuais dos prefeitos, a Constituição da República parece não deixar dúvida quando em seu art.31, caput, §§1º e 2º, estabelece ser o Poder Legislativo do Município, representado pelas Câmaras Municipais, o titular absoluto de tal competência, verbis:

Art.31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

    • 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
    • 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Como visto, o texto Constitucional outorgou ao Poder Legislativo Municipal a sublime missão de exercer o controle externo do Poder Executivo, apreciando e julgando as contas anuais que o Prefeito está obrigado a apresentar ao fim de cada ano orçamentário-financeiro.

No sistema estabelecido pela Constituição da República, os Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, onde existirem, possuem o papel de auxiliar o Poder Legislativo Municipal exarando parecer prévio, técnico, que só deixará de prevalecer por decisão de 2/3 (dois terços) dos membros daquele Poder.

Portanto, em nosso atual sistema constitucional de competências, as Casas Legislativas se constituem em órgãos que possuem a importante missão de analisar e julgar as contas anuais do chefe do Executivo.

É Hely Lopes Meirelles quem define o alcance da função de controle e fiscalização, que abarca o julgamento das contas do prefeito. Verbis:

“A função de controle e fiscalização da Câmara Municipal mereceu do constituinte de 1988 destaque idêntico ao da função legislativa, na medida em que o art.29, IX, (sic) da CF as coloca dentre os preceitos obrigatórios a serem observados na elaboração das leis orgânicas municipais.(…) A função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a Constituição da República, em seus arts.70 e 71, por simetria, e a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e julgamento. No nosso regime municipal, o controle político-administrativo da Câmara compreende a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas do prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com cassação do mandato.”

Vejam que segundo o eminente doutrinador o julgamento das contas anuais dos prefeitos decorre da função de controle e fiscalização que o Poder Legislativo exerce sobre o Executivo, abrangendo, também, a função de julgar o prefeito municipal nas infrações político-administrativas, sancionáveis com a cassação do mandato.

Importante decisão do Supremo Tribunal Federal sobre essa matéria, exarada no ano de 2016, em regime de repercussão geral no RE 848.826/DF, Tema 835, firmou entendimento no sentido de que as Câmara Municipais são titulares últimas da competência para julgamento das contas apresentadas pelos prefeitos municipais, sejam elas contas de governo ou gestão. Verbis:

EMENTA:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

I – Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º).

 II – O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”).

 III – A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas.

IV – Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.

 V – Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 848826, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017  PUBLIC 24-08-2017)

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TEMA

835 – Definição do órgão competente, se o Poder Legislativo ou o Tribunal de Contas, para julgar as contas de Chefe do Poder Executivo que age na qualidade de ordenador de despesas.

TESE

Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.

Por maioria de votos, o Plenário do STF decidiu que é exclusivamente da Câmara Municipal a competência para julgar as contas de governo e as contas de gestão dos prefeitos, cabendo ao Tribunal de Contas auxiliar o Poder Legislativo municipal, emitindo parecer prévio e opinativo, que somente poderá ser derrubado por decisão de 2/3 dos vereadores.

Naquele julgamento prevaleceu a divergência aberta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal à época, ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, por força da Constituição, são os vereadores quem detêm o direito de julgar as contas do chefe do Executivo municipal, na medida em que representam os cidadãos. A divergência foi seguida pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ficaram vencidos o relator, ministro Luís Roberto Barroso, e mais quatro ministros que o acompanhavam: Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli.

É Importante frisar, também, que a rejeição das contas do prefeito pela Câmara Municipal pode inclusive gerar a inelegibilidade do chefe do Poder Executivo, caso haja a comprovação de que existiram irregularidades insanáveis que configurem atos dolosos de improbidade administrativa, na forma do art.1º, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar 64/90, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010.

Essa legislação também sofreu recente alteração promovida pela Lei Complementar nº 184/21 para excluir da incidência de inelegibilidade responsáveis que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa.

Como se trata de recente alteração legislativa, necessário aguardar a manifestação dos Tribunais Superiores quanto ao alcance da nova norma.

Espero ter contribuído, fico a disposição para críticas e sugestões.

Alexandre Thuler – Autor

Procurador Jurídico do Legislativo / Advogado.      

@alexandrethuler

@parlamentomunicipal

Lei Complementar nº 64/90

 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm

Lei Complementar 184/21

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp184.htm#art1

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