Caro leitor, esse tema é instigante e de muita relevância para todos que militam no Poder Legislativo Municipal, por isso será o tema da nossa abordagem de hoje.
Pois bem, em 2017 escrevi um artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br abordando a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 878.911/RJ, cujo tema envolvia justamente a iniciativa parlamentar em projetos de lei com previsão de despesas para o município.
O artigo possui hoje mais de 25.000 visualizações no site¹, o que demonstra a importância desse tema para toda a sociedade e principalmente para a comunidade de vereadores, assessores e operadores do Direito que militam na área. Daí a necessidade de revisitá-lo.
Então vamos lá!
O caso concreto que chegou à Suprema Corte teve início em uma ação direta de inconstitucionalidade que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e tratava de uma lei municipal, de iniciativa de um vereador, que obrigava o Município do Rio de Janeiro a instalar câmeras de segurança nas escolas públicas e cercanias, obviamente gerando despesas para os cofres públicos.
A decisão da Suprema Corte foi prolatada em regime de repercussão geral, resultando na fixação da Tese 917 assim ementada:
“Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, a, c e e, da Constituição Federal).”
Nessa espécie de julgamento tem-se uma decisão que se aplica a todos e possui efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário. Isso significa que até mesmo os Tribunais de Justiça Estaduais deveriam observar a decisão do STF e aplicar a tese aos casos concretos semelhantes.
Após a decisão do Supremo houve uma leve alteração da jurisprudência dos Tribunais Estaduais, com julgamentos de casos aplicando a Tese 917 e outros não.
Para entender bem o alcance e a importância da Tese fixada pelo STF precisamos compreender as normas do ordenamento jurídico constitucional sobre iniciativa de leis.
Partindo da nossa Constituição Federal, encontraremos a regra geral sobre iniciativa de lei no art. 61, caput da CF/88. Essa é a chamada iniciativa geral ou concorrente de projetos de lei. Eis o texto:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.”
Esse dispositivo constitucional é de repetição obrigatória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, por conta do princípio da simetria. Isso significa que esta mesma regra é aplicável aos demais entes da Federação, Estados e Municípios. Na prática, temos a previsão de iniciativa geral ou concorrente também aos membros dos Parlamentos Estaduais e Municipais.
Resumindo, em âmbito municipal, o ordenamento jurídico permite a qualquer vereador propor projeto de lei sobre qualquer matéria que se enquadre na competência legislativa do ente municipal. Essa é a regra!
E qual é a exceção? Em quais situações o vereador não pode propor projetos de lei?
Então vamos lá. Seguindo o ordenamento jurídico constitucional, temos no art.61, §1º da CF/88 a previsão de iniciativa privativa de lei do Presidente da República. Eis o texto:
(…)
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II – disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
Esse dispositivo constitucional prevê expressamente as hipóteses de iniciativa privativa de projetos de lei pelo Presidente da República. Ou seja, nessas hipóteses, somente o chefe do Executivo Federal pode propor projetos de lei, sob pena de inconstitucionalidade por vício de iniciativa.
Em âmbito municipal, pelo princípio da simetria, essa norma também é aplicável. Assim, as Leis Orgânicas Municipais possuem a previsão das hipóteses em que só o prefeito pode propor projetos de lei.
Desta forma, na prática, se o vereador propõe projeto de lei sobre alguma das matérias expressamente previstas em dispositivo de Lei Orgânica Municipal que reproduz a regra do art.61, §1º, da CF/88, esse projeto de lei será considerado formalmente inconstitucional por vício de iniciativa.
Assim, simplificando o que está previsto no ordenamento jurídico podemos afirmar o seguinte: Os vereadores podem propor projetos de lei sobre todas as matérias de competência legislativa do município, com exceção daquelas que são de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, o Prefeito.
E foi exatamente isso que o Supremo Tribunal Federal disse no julgamento do ARE 878.911/RJ, ao reafirmar sua jurisprudência entendendo que o vereador, naquele caso concreto de instalação de câmeras em escolas públicas, poderia apresentar projeto de lei, mesmo que tivesse previsão de despesas, só não poderia propor projetos sobre as matérias taxativamente expressas no § 1º, II e alíneas do art.61 da CF/88, dispositivo que está reproduzido em Leis Orgânicas por conta do princípio da simetria.
E é isso, simples assim! O STF apenas reafirmou sua jurisprudência majoritária sobre iniciativa de lei e foi mais longe dizendo que embora haja previsão de despesa em projeto de lei proposto por vereador, não há no ordenamento jurídico constitucional nenhuma vedação à sua apresentação, com exceção das matérias de iniciativa privativa do prefeito.
Portanto, o vereador pode apresentar projeto de lei com previsão de despesa para o seu município, pois esse é o entendimento que se extrai da Tese 917 adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Espero ter contribuído para esclarecer esse tema e fico à disposição para críticas e sugestões.
Obrigado.
Alexandre Thuler.
Autor
Referências: 1 – Link do Site www.jusbrasil.com.br : https://athuler.jusbrasil.com.br/artigos/518446173/stf-reafirma-sua-jurisprudencia-e-vereador-pode-propor-leis-que-criem-despesas-para-o-municipio#:~:text=No%20final%20do%20ano%20de,ou%20seja%2C%20para%20o%20munic%C3%ADpio